quinta-feira, 11 de março de 2010

A mulher e a lei...

Encontrei essa matéria de 2008 e fiquei me perguntando: será que já avançamos?


Há 20 anos, o Brasil aprovava uma nova Constituição Federal, a Constituição Cidadã. Ela acolheu várias reivindicações femininas, mas até hoje muitos benefícios ali previstos ainda aguardam regulamentação. Claudia comparou a legislação de vários países para entender em que patamar está a nossa: os medidores mostram os direitos consolidados e as leis tacanhas, que precisam ser afinadas com a modernidade.


Por Iracy Paulina e Patrícia Zaidan - Revista Claudia - 07/2008...

Parece incrível, mas faz apenas 20 anos que, perante a lei, as mulheres brasileiras têm os mesmos direitos dos homens. Essa foi uma conquista da Constituição Federal promulgada em 5 de outubro de 1988 – a oitava do país –, que rompia com o autoritarismo militares crito em duas edições anteriores. A vitória veio de lutas de longa data, mas foi nos anos 80 que os movimentos de mulheres deram a virada histórica. O grito “Quem ama não mata!” não ficou restrito às feministas – contagiou a sociedade e, em 1981, levou à condenação do playboy Doca Street por matar a tiros a mineira Ângela Diniz, sua namorada. Além de tor nar menos trivial a absolvição de assassinos que alegavam “legítima defesa da honra”, a mobilização daquele episódio se refletiu na Constituição. Deputadas formaram o “Lobby do Batom”, reunindo 2 mil lideranças femininas de se tores que iam do rural ao urbano para pressionar os parlamentares constituintes a incluir na Carta Magna direitos fundamentais. O documento, com 250 artigos, já recebeu cerca de 50 emendas e outras 1,4 mil tramitam no Congresso – uma colcha de retalhos quando se compara com a Constituição dos Estados Unidos, que tem apenas 34 artigos e é de 1787. No que diz respeito aos benefícios para as mulheres, devemos lembrar que alguns ainda precisam de leis complementares ou específicas, que mofam na fila de espera, sem aprovação. Com a ajuda de especialistas em direito, CLAUDIA criou um medidor para analisar os avanços alcançados e a estagnação das leis tomando como parâmetro as regras de outros países. Fica visível que ainda há muito por fazer – então, mãos à obra, meninas.

IGUALDADE
Estamos na frente dos Estados Unidos, onde os direitos são iguais apenas no âmbito das leis estaduais. O artigo 5º da Constituição diz que homens e mulheres são iguais perante as leis. Mas podemos avançar para algo que já existe na Espanha desde 2007: uma lei visa eliminar toda e qualquer forma de discriminação contra a mulher. Começa por dizer que cabe ao homem o ônus da prova. Ou seja, se uma cidadã denuncia um espanhol ue a tomou como inferior ou lhe restringiu as oportunidades, cabe a ele com provar que não agiu levando em conta o sexo da acusadora.

VIOLÊNCIA
A Lei Maria da Penha, de 2006, caracteriza a violência doméstica como: física, psicológica, sexual, moral e patrimonial; protege a vítima, afastando o agressor de casa; prevê reeducação para ele e apoio para os filhos. Antes, o caso era trata do no Juizado Cri minal como briga de trânsito, sem considerar relação afetiva, e o réu pagava o crime com cestas básicas. A lei cria juizados com competência criminal e cível (arbitra sobre separação e guarda de filhos), mas eles estão demorando para entrar em funcionamento. O Paraguai se inspirou no Brasil, porém amenizou a punição ao agressor. A Venezuela reconhece 19 tipos de violência de gênero e prevê tribunais com equipes multidisciplinares para re solver os casos rapidamente.

POLÍTICA
Cada partido ou coligação deve reservar para as mulheres brasileiras 30% das candidaturas ao Legislativo. Problema: não há pena para o descumprimento da lei. Bem mais avançadas estão a Argentina, onde o tribunal eleitoral recusa a lista partidária se 30% dos inscritos não forem mulheres, e a Costa Rica, país em que as agremiações que ignoram a cota não obtêm registro. Além disso, as candidatas têm aces so a financiamento público de campanha. Outro exemplo é Ruanda: 40% das cadeiras do Congresso são reservadas para nomes femininos.

PLANEJAMENTO FAMILIAR
O Código Civil estabelece que o planejamento familiar é uma decisão do casal e cabe ao Estado prover recursos para sua execução. O Ministério da Saúde autoriza o SUS a fazer vasectomia, laqueadura de trompas e a distribuir anticonce pcionais. “É um passo à frente, mas precisamos considerar a descriminalização do aborto”, diz a de sembargadora Maria Berenice Dias, vice-presidente do Instituto Brasileiro do Direito de Família. A interrupção só é legal em caso de estupro ou risco para a vida da mãe. Outro avanço seria o parto anônimo, realidade na Alemanha e na França, que legalizaram o aborto. “A mulher tem direito à assistência do Estado na gestação e doa o filho sem se identificar e sem receber punição”, diz Berenice.

LICENÇA-MATERNIDADE
Na Suécia, a licença para pais é opcional. A mãe fica em casa com o bebê por 480 dias ou divide o período com o marido. A Pre vidência cobre até 80% do salário. A Constituição brasileira concede quatro meses. Um projeto que amplia para seis meses passou no Senado, foi aprovado numa comissão da Câmara e espera análise de mais duas comissões. O INSS continuaria pagando 120 dias e a empresa arcaria com 60 dias abatendo do imposto – as empresas decidem se querem dar o benefício. Oito estados e 80 municípios já têm leis ampliando a licença. A lei americana assegura três meses não-remunerados. O governo da Tunísia paga 30 dias. Na França, pai e mãe se alternam em casa, remunerados, por até 26 semanas.

FAMÍLIA
Não é só o casamento que dá origem à família. A Constituição reconhece também aquela formada: na união estável; só por pai e filhos; só por mãe e prole. O casamento de pessoas do mesmo sexo, porém, não é amparado pela lei – e isso constitui um atraso. Será bem-vinda a aprovação, no Congresso, da emenda constitucional que substitui a expressão “união estável entre homem e mulher” por “união estável entre duas pessoas”. É algo parecido com o que aprovaram os parlamentares espanhóis, em 2005, e os holandeses, em 2000. Na Holanda, o casamento civil entre gays já prevê o direito de adotar crianças.

GUARDA COMPARTILHADA
Os encargos da família devem ser assumidos pelo casal, segundo o Código Civil de 2002 (quando a figura do chefe de família deixou de ser atribuída ao homem). Uma lei aprovada em maio passado e sancionada pelo presidente dia 13 de junho é a principal novidade da área. Ela institui a guarda compartilhada dos filhos, que vale na separação e quando não houve casamento. As crianças passam um período sob os cuidados do pai e outro sob os da mãe. Todas as decisões importantes (como escolha de escola e de pediatra, viagem de férias...) têm de ser tomadas em conjunto. O mesmo ocorre na Alemanha, Inglaterra e no Canadá.

PATERNIDADE
Uma lei de 1992 permite que a mãe, ao registrar o filho, declare o nome do suposto pai. A Justiça o procura e verifica se assume a criança. Se ele se negar, será aberta ação de reconhecimento de paternidade com exame de DNA. Na recusa em realizar a coleta de sangue, o homem é dado como pai presumido e passa a constar do registro do bebê. Mulheres de baixa renda têm direito ao exame gratuito. Uma pro posta do Instituto Brasileiro de Direito de Família deve encurtar o caminho: a mãe faria a declaração em cartório. Se o homem não reconhecesse ou se recusasse a se submeter ao exame, seria tido como pai. Isso já ocorre no Peru. Já na Argentina, a simples negativa dele torna a ação improcedente e encerra-se o caso!

HERANÇA
A mulher que vive união estável ganhou em 1994 e em 1996 (em leis complementares) os mesmos direitos da casada na partilha de bens. Mas o Código Civil andou para trás em relação ao direito sucessório. Aquela que não é casada só tem direito à metade se for mãe dos filhos do parceiro. Se a prole era dele, caberá a ela apenas um terço dos bens. A situação se repete no caso de o falecido não ter filhos: os dois terços irão para os parentes dele. Pior ocorre na Argentina, que ignora o direito sucessório sem casamento. As portuguesas levam vantagem: a lei acolhe a união estável como sociedade – 50% da herança fica para elas.

ASSÉDIO SEXUAL
O Brasil incluiu o assédio sexual no Código Penal em 2001. O assediador que se aproveita da condição hierárquica para obter vantagem sexual pega de um a dois anos de detenção. Mas quase ninguém recorre à lei, porque as cantadas são aceitas culturalmente no país. Advogados aconselham a vítima a colecionar e-mails, gravar telefonemas ou levar testemunhas ao tribunal. Ela pode mover ação trabalhista com base na CLT (o chefe é demitido por justa causa) e ação de indenização contra a companhia que, segundo o Código Civil, deve promover um ambiente seguro e prevenir agressões. Na França e no Chile, além de punições, a lei determina que as empresas ado tem medidas preventivas em relação ao assédio sexual ou moral.

SEPARAÇÃO
O casal pode pedir a separação judicial desde que esteja junto há mais de um ano ou a qualquer tempo em caso litigioso. O divórcio e a permissão para casar de novo saem depois de um ano. Desde 2007, separação e divórcio consensuais e de casais sem filhos me nores ou incapazes são feitos em cartório, dispensando a homologação judicial. Uma emenda que permite o divórcio direto, sem prazos, espera votação no Congresso. Se aprovada, o brasileiro poderá se casar num dia e se divorciar no outro, como nos Estados Unidos. No Chile, o divórcio, aprovado em 2003, pode ser concedido depois de um ano de separação e se for consenso. Se um dos pares discorda, é preciso esperar três anos.

TRABALHO
A CLT diz que é proibido negar emprego ou promoção em razão do sexo, situação familiar ou estado de gravidez. Isso não deve ser motivo para demissão ou remuneração inferior. Na prática, o salário da mulher é menor (com formação superior, recebe 60% do que ganha o homem) e ela perde chances quando está em idade reprodutiva. A França dá ao homem estabilidade quando a mulher engravida. Assim, na hora de contratar, o critério “idade reprodutiva” não está restrito ao sexo feminino. As empresas espanholas têm de implantar um plano de igualdade. A lei determina que o Ministério do Trabalho conceda um selo às corporações que promovem a presença equilibrada de homens e mulheres no quadro de empregados.

Fontes: Adriana Miranda, professora da Faculdade de Direito da Universidade de Brasília; Ana Alice Costa, professora de Ciências Políticas da UFBa; Cecília Sardenberg, diretora do Núcleo de Estudos Interdisciplinares sobre a Mulher, da Universidade Federal da Bahia (UFBa) Glória Márcia Percinoto, presidente da Comissão de Direitos Humanos do Instituto dos Advogados Brasileiros; Helena Maria Diniz, presidente da Comissão da Mulher Advogada da OAB/SP; Leila Linhares Barsted, diretora da Cidadania, Estudo, Pesquisa, Informação e Ação Joselice Cerqueira, presidente da comissão OAB-Mulher/RJ; Myllena Calasans de Matos e Iáris Ramalho Cortês, do Centro Feminista de Estudos e Assessoria (Cfemea); Sônia Mascaro, da OAB-SP; Valéria Pandjiarjian, do Comitê Latino-Americano e do Caribe para a Defesa dos Direitos da Mulher

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