sexta-feira, 21 de agosto de 2009

Meu jardim das letras por Lindolfo Paoliello em Alma dos Anjos

O Lindolfo fala e escreve com a emoção de quem escuta com o coração. Sempre que estou com ele, fico pensando como este mineiro especial pode ser tão sensível as nossas dificuldades, digo de todos os mineiros.
Ele presenteou-me com o seu livro de crônicas: Alma dos Anjos e transcrevi algumas partes das crônicas que eu adorei...
Precisamos exorcizar este espírito que enclausura a alma dos mineiros. Quando lemos os nossos escritores e escutamos os nossos músicos que estão fazendo sucesso fora das nossas Minas Gerais, temos esta certeza...


Minas mais ou menos

......


Alguém está indo bem?Tome cuidado!Podem cortar-lhe a cabeça .Em Minas o sucesso é pecado.No mínimo incomoda os outros.
Um filósofo falou que só a morte, ou, às vezes, a velhice apazigua a inveja dos homens em relação ao sucesso de uma pessoa. Já em Minas, um velhinho de sucesso faria bem em pôr as barbas de molho...
O que à primeira vista parece inveja tem, na verdade, raízes mais sutis. Trata-se de uma “mineirice”, galho ruim da bela árvore da mineiridade.
É uma característica da mineiridade a busca do ser integral, completo. Mas o mineiro é barroco, isto é, vive em pólos opostos, é desconcertante contraditório.
Surge então essa atitude de não deixar nada aparecer completamente, o claro-escuro, o lusco-fusco. E o mineiro fala parte do que pensa; nem mesmo pronuncia a palavra toda, num quase dialeto em que parece economizar nas palavras.Nada está inteiramente bem:
“Como vai?” “Mais ou menos.” A própria modéstia dos mineiros vem de um comportamento arraigado de nunca parecer muito bem. O mineiro chora prejuízo mesmo diante de um grande lucro; nada pode parecer ou aparecer cem por cento. As próprias palavras são usadas no diminutivo; o mineiro não afirma, sugere; ele não é hábil e jeitoso. A casa do mineiro nunca está pronta:”Faltam umas coisinhas, não repara não.”
Sua doença nunca sara inteiramente: “Estou quase bom”.Mesmo porque ele nunca reconhece ter tido uma doença:” Tive um começo de gripe”
A idéia de sucesso opõe-se a tudo isso. Sucesso é conclusão. O final feliz. É algo completo, a que não falta nada, perfeito, acabado.
Mineiro não faz sucesso porque teimará até o último de seus dias em não reconhecer o seu próprio sucesso.


Falta a centelha...

Perplexidade, omissão, inércia: “Minas não há mais.”
Onde foi que nos perdemos?....
Volto, assim, a um tema que propus em uma crônica há cerca de um ano, ao qual Affonso Romano de Sant’Anna daria, em seguida, uma dimensão maior. Registro, como na época, que quem primeiro fez a ilação que se segue foi José Carlos Barboza de Oliveira, uma das pessoas que mais devem os patrimônios culturais de Minas e do Brasil.Apenas pincei a idéia e a coloquei no tempo em que vivemos para melhor entendê-lo.
A perspicácia de José Carlos lhe soprou que Minas se perdeu na suspensão da ”derrama
Fiscal”. A massa acomodou-se. A Inconfidência perdeu sua sustentação.
Agora uma idéia me tem feito companhia, dessas que a gente afugenta e logo se esquece, e ela volta, assombra, esvoaça e acaba conseguindo o que quer: faz pensar. E essa idéia teimosa me conta que, em nossa geração, Minas se perdeu em 1985, quando acompanhou um enterro do qual nunca mais saiu: o enterro de Tancredo Neves.
O Estado perdeu seu líder e a idéia da democracia e liberdade que conduziria todas as outras. A massa, imobilizada desde as “Diretas já”, aquietou-se, desapontou-se, sumiu. Um líder, um projeto, a massa. A sociedade e a centelha que a acenda; disso é que Minas precisa.
Essa reflexão leva-me de volta a duas viagens que fiz ao Rio, em anos consecutivos, para encontrar a mesma pessoa: o Dr Afonso Arinos de Melo Franco. Da primeira vez,
Para verificar se ele gostaria de rever sua apresentação ao livro Mineiridade, de Sylvio de Vasconcellos, cuja reedição eu coordenava para a Fiat Automóveis; da segunda, para que prefaciasse a reedição de Voz de Minas, de Alceu Amoroso de Lima, que também empreendíamos. No primeiro encontro, ele disse: ”O importante é manter essa quadrinha porque nela que está o mistério de Minas”. E na vez seguinte: “Pena que agora não se possa incluir a quadrinha que já está no outro livro. Ela é muito significativa.”
Uma quadrinha. Incrível a sensibilidade desse homem, que percebeu, em uma quadrinha de domínio popular, a síntese das necessidades de Minas: retomar o seu jeito de liderar, que interpreto como aquele baseado na capacidade de formulação e articulação de idéias e na obstinada crença que anima o mineiro a zarpar sozinho, com a lúdica sensação de que será seguido. Eis a quadrinha:

“ Minha gente vou-me embora
Mineiro ta me chamando.
Mineiro tem esse jeito,
Chama a gente e vai andando.”

Nenhum comentário:

Postar um comentário